sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Vida

Minha vida é um livro queimado
As letras estão às cinzas
Capa não há
Conteúdo, ah, tem conteúdo, porém se confunde com a miragem enfumaçada
As letras estão tostadas, atrapalha vírgulas com travessão, ponto com ponto e vírgula...
...exclamação com interrogação.
A reticência, a fumaça levou, junto com as migalhas torradas da contracapa
Nunca, jamais, notaram a folha de rosto. Agora, é tarde, se tinha, queimou.
Quem, a momentos lembrara nada mais que a ficha de catalogação, esta não há mais, flutua, assim como o dorso, a frágil costura e os miolos.
Dá primeira à última, o que se tem são páginas grudadas, suadas, esfarrapadas. Algumas, até que intactas, mas sem o antes e o depois não se entende nada
Muitos são os olhos lacrimejantes na tentativa de decifrar, forçam, tentam, chegam perto e...
...Choram. Ou porque percebem que queimou, ou porque atingiu as pupilas a fumaça poluída.
Não se sabe mesmo pra onde o vento levou, a ele pertence o resto carbonizado.

Góes

soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

Vinícius de Moraes