terça-feira, 18 de março de 2014

Hoje me senti um crápula ...

Hoje me senti um crápula ao olhar nas manchetes e vê uma mulher arrastada até o óbito por um carro.
Hoje me senti um crápula quando vi que o carro era da política, braço armado do Estado.
Me senti assim, quando saí na rua, reparando nas pessoas, nas correrias, as crianças pedindo no farol.
Quando vi os carros de luxo, algumas pessoas com roupa de marca, as vidraças do banco e serenata da vida.
Parecia que não havia acontecido nada, me senti um crápula.
Quando não teci crítica, quando não gritei, não chorei, não denunciei. Dancei, comi, trabalhei, beijei e amei.
Me senti mais crápula ainda quando cheguei do trampo, abri a geladeira, peguei cerveja, sentei, corri a mão no controle remoto, assisti novela, vibrei com o jogo do meu time e fui dormi, não sem antes dizer que amei.
Me senti, hoje, hoje mesmo, um crápula, imbecil, idiota, anta quando ao subir no ônibus sorri para o cobrador e falei: bom dia. Uma voz  na consciência trouxe-me a imagem da moça arrastada. Preta, trabalhadora, oriunda da favela foi arrastada no asfalto, baleada. Pensei na dor. Fiz conexão com o ocorrido com o jovem em Guarulhos que disse antes de ir ao céu: Por que você atirou em mim? disse ao crápula.
Logo veio na mente a voz de alguma autoridade pedindo, exigindo justiça, agora sim, me senti mais crápula ainda.
Não posso me senti como a família do Amarildo, do jovem de Guarulhos, da mulher arrastada, baleada. Nem como muitos outros e outras deste país a fora. País que da colônia á República continua torturando, matando e espancando a população que o enriqueceu.

domingo, 2 de março de 2014

Crônica de um enredo anunciado... "12 anos de escravidão"

Na contramão do feriadão resolvi ver um filme no cinema, filme aliás que já havia assistido pela internet. Como tudo me faz reclamar, já pensei na distância: por que todos os filmes que se propõem a crítica social são exibidos apenas pro lado da avenida Paulista? Será que é porque a maioria daqueles que se beneficiam das mazelas da sociedade gostam?
No cinema reparei nas pessoas que estavam na fila. A maioria eram brancos: tinha uma mulher negra com sua namorada branca; um homem negro com sua namorada branca; uma moça negra com sua amiga branca; um homem preto (eu) comendo pipoca branca; ah... lá no final apareceu um jovem negro com o fone de ouvido branco. 
Por que os brancos gostam de filmes de negros? será que é como os boys da academia e dos partidos gostam de Marx? como romance ou como fonte de retórica?
Será que os negros estão vendo Robocop? Não. Na fila do Robocop não tem nenhum negro. 
Rola o filme, o silêncio toma conta do auditório. Entre uma chibatada e outra, sai um "Ai", ou então: "Nossa". As cenas são pesadíssimas, mas nenhuma novidade até então para quem vive no último País a abolir oficialmente a escravidão. 
Termina o filme, o povo parece até chocados presos às poltronas.
Saio de pressa antes que alguém puxe papo. No caminho noto as expressões:
As mulheres com os olhos vermelhos, parecem que choraram em alguma cena. Os homens pareciam consternados. Ouvi uma mulher dizer assim: "Tive tontura", também, quantas chicotadas nas costas.
Eu estou com dor de cabeça até agora. 
No retorno avistei algumas pessoas que dormiam na calçada da Frei Caneca, umas pessoas atravessaram a rua rapidinho, pensei "será que estas viram ao filme?". 
Eu continuei e vi que eram negros. Ah, no shopping também tinha segurança negro .
Será que é por isso que os negros não estavam na fila? sei lá, não tenho resposta.
Só sei que vou dormi com a sensação de que a escravidão ainda não acabou, e mesmo que não dure meu sono, sei que levará muito mais de 12 anos para acabar.