domingo, 20 de novembro de 2011

Brasil Negreiro: sonetos do genocídio ...

Brasil Negreiro: sonetos do genocídio ...


Olha pra li. Em pleno morro... Em plena civilização
Brincam na lama — danada de pés descalços;
E os ratos atrás deles correm, rosnam cachorros ferozes
Como motores de tanque de guerra.

Em meio ao compensado, do pântano
Odores espalham-se como fumaça de madeira
No ar o vento pipoca nas portas da gente mórbida,
Tudo parece chama, tudo em chamas

Em meio aos compensados
Perdem-se no mundo terror maníaco,
Quem é fogo? Quem é chama? Quem é esgoto? Ou lama?
Talvez a enxurrada de larva responda.

Em meio a compensados adentram vielas.
Coturnos cutucam o chão de barro duro
Feito touro bruto atrás da flanela de sanguinolento,
Enquanto dorme na cavidade a pomba da paz.

De onde vem? Aonde vai? Das tuas barcas gritantes
Quem sabe a direção será a cabeça valente?
Nesta terra de alguém, cavalos de fogo poeiras levantam.
Galopam, explodem, mas ninguém vê os rastros.

Feliz daquele que de lá, longe nesta hora
Vive em teto de vidro e paredes de verdade.
Aqui, por baixo esgoto imenso,
Do céu nuvens emaranhadas, no ar a pólvora estalada

Veja qual sabor da consonância traz Aurora!
Que música trágica de lá ecoa!
Sinta como arranca a pele o batuque cáustico.
Pelas vielas frias galopando estridente a toda força

Filhos do poder agressivos carniceiros,
Entorpecidos pelo pó branco da sedução
Crianças que a corrupção conquistara
No beco destas favelas gigantescas

Por que corre assim cavalo de fogo?
Por que matas em nome do impávido colosso?
Queria te agarrar pelas costas e degolar-te, sombrio calabouço.

E a pomba branca? Promotora da paz?
Você que engana campanhas invisíveis,
Prepare o peito, palomita da ilusão,
Pomba branca, pomba branca acorde, saia da cavidade.

II
Que importa pro rato cinza a miséria,
De onde muitos são filhos?
Clama o sujo e fedido queijo
Oferecido pelo velho, e não eterno morcego.
Gritem que é melhor morrer!
Desliza a viela ao combate ordenado
Como ovelha enfurecida.
Caçada aos dentes do lobo
Cravada no pescoço magro
Do corpo que a fome já matou.

Do descobrimento à modernidade
Acumulando riquezas.
Lembram as moças indígenas
Que o malfeitor estuprou?
Na América lutas correntes
Cantando seu samba dormente,
Chão de ternura escravidão,
Que queimam solados descalços
Amontoando rabecão

O nazista assassino frio,
Ao fazer a guerra explorou
Lembrando, orgulhoso os parceiros que a propriedade salvou.

Ei! Carniceiros comandados!
Que o velho, mas não eterno morcego criou.
Robôs condenados á desgraça
da miséria que seu mestre matou,
Ratos que corpos fatiaram,
Que roendo em noites claras
podres queijos em bolor.
Capatazes que proclama paz com a guerra,
Faça o que seu mestre mandou


III

Mas...

Saia da cavidade, oh pomba branca.
Chega mais, mais um pouco, não pode enganar a paz.
Louco é o urubu feroz querendo arranca-lhe o pescoço,
O que vê são choros de terror corroendo corações.
É sirene provocante que brota do caveirão... Que fúnebres vultos
Que cena infame e execrável. Que maldade seu senhor promove.


IV

Foi massacre horrendo que o toureiro
Na escura luz amarela avermelha o piso da viela.
Lavando de sangue.
Estalar de pólvoras. Rosnar de cachorro louco.
Multidões de pessoas pretas,
Aterrorizadas a gritar.

Mulheres pretas, raspando panelas vazias
A dar de comer às crias desnutridas.
Adolescentes, moças nuas e assombradas,
Arrastada ao matagal, devoradas e violentadas.

O produtor te faz inúteis
Se estufa o peito, e levanta a cabeça,
O abutre dispara borracha.
O barulho do engatilhar, - treck.

Miolos explodem...

Cercados na lama fervente dos vulcões,
O povo suspira e derrapa sem estômago,
Gritam, dança e cantam a canção. Sedativo,
Embriagados entorpecem o cérebro,
Quem não adere é bruto insensível,
Declama versos contrários de guerra e de luta

E o abutre invade desmoralizado,
Prova da própria incapacidade de ser humano,
Duro coração congelado mira o povo,
Clama às ovelhas obedientes que simbolizam lobo:
Fogo neles!
“É chegada a hora de morrer...

...ou lutar...”

O Robô COP do Governo é frio. . .
Atira, degola e...
Atira, degola e...
Atira...
Muitos mortos. Capataz.

V

Diga senhor da sabedoria do crime!
Diga agora!
Se é loucura... Se é verdade
Tanto horror perante aos olhos?

Ó barraco, em que as chamas espalham
Apagas a fogueira da maldade com o sangue
Venoso espalhado...

Socorres, oh governante, socorres os bancos
Noites, pólvoras, soluços!
Rola barranco abaixo, tempestade!
...Vidas,
jaz!

Quem são estes desgraçados.
Favelados, trabalhadores, prostitutas, operárias
Que recebem não, com a pá e a enxada,
Que ao paralisar excita a fúria do algoz?
Quem são?
- Apêndice da máquina!
Que a metranica apressada dispara
Como um maçarico que ardente sapeca,
Diante a noite traiçoeira...
Diga sábio senhor da verdade,
Escravo da mídia arrogante!...

São os filhos do...

Proletário!

Onde a força apaga a luz.
Onde a televisão abafa
E a vida do povo conduz
São guerreiros entregues
Que combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros assassinados,
Sem paz, sem teto, sem...

...pão

São mulheres encorajadas,
Como Dandara foi também.
Com sede de liberdade,
Com coragem de longe vêm...
Carrega consigo as marcas
Dos filhos de algemas nos braços,
Dos olhos esbugalhados lágrimas de vingança...
Como Dandara lutou tanto,
Que fez livre um Quilombo
Resistência e esperança.

Qual era criança feliz e inocente
Das tribos recebiam as palavras do “Griot”,
Adolescentes cultivando esperança,
Cabelos para cima, cortados, tranças...
Chega o açoite para esmagar,
Correntes firmes aos punhos
Cogita que acabou a liberdade...
... O que era cabelo foi raspado,
... A trança alisada. A identidade jogada ao mar

Não mais solidariedade. Não mais identidade
Química na cabeça, tinta,
várias cores.

O rio que nadavas se perdeu em alto mar,
Depois o oceano vasta solidão.
Agora esgoto nojento
Nem peixe fresco, nem caça, nem...

- Pão?

Sinfonia do sapo e do grilo, trilha sonora
Dá fome, dá cansaço, deu sede.
Cair para não mais levantar.
A fila anda, a fila é grande
Carne podre ensangüentada, jamais a rede sobre a areia
Carne ao tatu não faltará.

Ontem povoado sem propriedade privada,
A todos a pesca, a caça alimentava,
O sono dormido à rede
Sob as tendas coletivas
Hoje sarjeta abandonado
Modernas malocas apertadas,
Sobrevivendo da esmola,
Nascendo e morrendo na merda
E a esperança que de cedo aprendia a caça
Moleque vida louca que na noite sem sono, sombrio
Amanhece aos olhos da Mãe Negra
O corpo boiando no rio

Ontem plena liberdade,
Do prazer de viver...
Hoje o lema Kapital:
Trabalhar, Trabalhar e morrer. .
Presos a corrente da mente
Da imagem da televisão
Cego, mudo e surdo
Obediente cidadão, serviçal da nação/patrão.
E assim gozando a ilusão
Ao som da ópera fantasma dança, dança...
Dança!
...Opressão!


VI

Fez-se um povo que o piano carrega.
Que produz riqueza com lealdade perfídia
Que move a roda do motor poeta
Tramando o sonho da liberdade viva.

Viva. Vivas. Mas que sonho é este?
Que na primeira navalha se... Entrega?
Atribuído ao herói a libertação da vida que
Logo, aliada ao capataz perverso, falacioso ao povo
Esquerda,
esquerda f...
...perdida!

Diz-se lindo o pendão da esperança!
Diz-se símbolo augusto da paz!
Mas, tua nobre presença matança
Esconde o feio que a pátria se faz...
Tu que engendras a tabula fortuna,
Corre venoso suor terra a baixo
Tua mente sedada e estraçalhada
Apaga na luz da bala do capacho.

Fatal atroz que a gente esmaga,
Suprimiu a solidariedade da voz do mundo.
As valas que Colombo abriu nas vagas,
Seguido por outros, a busca do ouro profundo!
Mas é sangrenta demais a busca pelo tesouro...

A luta, o sonho da liberdade profunda.
Dos Quilombos surge a chama
Chama pelo diamante SOLIDARIEDADE
Trabalho! Trabalho!
A VIDA clama.
Se vir, mentes tônicas, dispostas
Ao sonho realizar...
Virão que a arma que matou Zumbi
Pro seu peito voltará
Pretos. Povo, dilacerar essa nação/patrão
- lutar?
E se não faltarem os abutres...

...Não deixe Sol.
...não deixe o Sol
Te fulgurar!

Autor
Góes

4 comentários:

  1. Quase não consegui ler, não pelo texto ser longo [risos], mas em ver a realidade periférica retratada neste soneto. Machuca, dói, e só quem vive essa realidade reconhece a veracidade desse texto e entende que estamos em um "grande navio negreiro". Parabéns pelo texto, muito sentimento e alma envolvidos, nos faz viajar na leitura. Beijos.

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  2. Verso denúncia, verso drama, verso preto, verso lama...
    Deixou um gosto amargo no meu nariz, um cheiro de sangue na boca.
    Deixou uma indignação nos ossos, e fez tremer a letargia do juízo.

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  3. Tive que ler por partes...
    Que intenso, que dificil, que real

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