sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Pão e Água Inglesa - um mini conto da vida de muitas ...

A casa estava escura, pela fresta da janela entrara um fecho de Sol. Como era tarde, por volta de uma hora, eu estranhei o silêncio. Entrei com meus passos leves, com cuidado de não fazer barulho. Não queria incomodar mamãe que estava de cama por três dias. Sentei na cama que estalou, fiz careta para mim. Puxei o tênis amarelo de sujeira do chão e junto o meião fedorento. Levantei nas pontinhas dos pés descalços arranhando as unhas amarelas do dedão no assoalho.
- Tú chegou?
- Sim maiê!
- Preciso que compre uma coisa!
Estava com receio de ir no quarto, corri para o banheiro e liguei o chuveiro de água fria. Pensei na vida por 15 minutos ou mais. Enxuguei-me, vesti a mesma roupa suada, puxei a água do chão com o rodo e fui à cozinha lavar a louça.
- Vem aqui! Disse mamãe.
- Já vou maiê! Respondi baixinho.
Agora! Replicou. Eu fui.
No quarto escuro, a cama de casal com lençol vermelho que não dava para ver com precisão, do lado direito da cama tinha um berço, onde dormira a menininha, no outro canto um cesto com roupas. No pé da cama eu vi um bolo de pano, como se fossem fraudas, uma três, emboladas no chão de taco. Olhei com olhos baixos e percebi que tinham manchas de sangue. Olhei mamãe no rosto, seu sorriso relâmpago me fez bico, entreguei-lhe o rosto, o beijo de todos os dias estava frio e tenso, senti que me beijou rápido, com pressa e nem me afagou os cabelos crespos. Mal pegou na minha mão. Olhei nos seus olhos, os vi fundos, com remelas e vermelhos, pensei pra mim “maiê chorou e muito”, fui descendo o olhar, ela vestia uma camisola que depois vi que era bege, cobria todo o corpo e as pernas, tinha nos pés meias grossas, voltei pro rosto, sorri tristonho, seus olhos brilharam. Ela sabia que eu sabia.
- quer café maiê?
- Não, não. Quero que vá á farmácia, tá? Passa na padaria, também!
Pensei pra mim: “maiê não nega meu café, ela não está bem”.
- Fio. Compre na farmácia Água Inglesa, mas fique esperto, não quero que ninguém veja, fale baixinho para o seu Luíde, se ele perguntar pra quem é, diga que é para uma vizinha. Não leia nada, não tire do saquinho.
- Um! Disse eu.
- Ah, continuou mamãe, com o que sobrar tu compra pão, meu fio deve está com fome.
Não queria sair do quarto, senti mamãe na solidão, e que algo não estava normal. Sentei na cama e comecei a falar do treino. Ela me olhava com cara de dor, mas tentava sorrir. Quando terminei a resenha ela disse: - A Água Inglesa!
Levantei, dei um passo para trás, senti que a tal água era coisa que mamãe precisava, me convenci que teria que ser logo. Fui com pressa.
No caminho senti tristeza, três dias que ela estava neste estado. Nem foi trabalhar, na noite anterior discutiu com o pai. Ele dizia que era problema dela, que não foi culpa dele e que ele não queria mais. Ela soluçava abafado para ninguém ouvi. Não conseguia entender como as coisas mudaram de um dia para o outro. Ontem estávamos todos felizes, comemorando o aniversário da menininha, depois todos tristes, mamãe três dias no quarto escuro e pai sumiu.
Quando pedi a água o Luíde farmacêutico olhou bem nos meus olhos e perguntou:
- Pra que diacho você quer isto rapaz? Essa coisa não te serve.
- É para uma senhora, ela pediu para comprar! Respondi alto e mau criado.
- Vou te vender, mas quero saber quem está com pouca vergonha! Disse o velho grisalho.
- Tenho ordens para não dizer, por favor, estou com apressado! Retruquei.
O caminho parecia eterno, comprei os pães com o troco e corri para casa. Minha cabeça formigava, parecia que tinha borboletas no cérebro, a imagem daquela senhora jogada na cama, no quarto escuro, suas olheiras e as fraudas com sangue me perturbavam. Cada vez que me aproximava meu coração apertava.
Chegando em casa cumpri o ritual. Passos lentos e calmos, quando estava na sala ouvi a voz de pai: - Por que você faz estas coisas mulher!? Não disse que era perigoso?
Mamãe só chorava. – Está doendo! Disse aos prantos.
- Não podemos ir ao hospital! Retrucou o pai.
Adentrei o quarto, meus olhos foram diretos para o chão, tinha mais panos brancos e mais sangue.
- Me dá! Disse o veio sem me cumprimentar.
Estendi o braço e entreguei o pacote. – Vai comer! Faz chá! Tornou a falar sem olhar pra mim.
Antes de sair sorri para mamãe, que tentava disfarçar os prantos, antes de retornar olhei para o pai, coisa de pouco costume. Pela primeira vez a feição dela me assustara. Nos seus olhos existiam grandes contornos roxos, as pupilas estavam bem vermelhas, suas gordas maçãs caíra assustadoramente. Senti meu coração gelado. Ele me olhou de lado. Pela primeira vez o vi fraco.
Corri para o quintal comendo pão. Um amigo me chamou para ir com ele ao mercado. Senti que deveria sair.
Quando retornei não encontrei mamãe nem o pai. Só meus irmãos e duas vizinhas. Perguntei por ela, disseram que estava no hospital e que não voltaria para casa naquela noite.
Só a vi três dias depois.
Parecia mais triste do que antes, mas não tinha olheiras. Seu rosto estava melhor, os olhos não estavam vermelhos. Pensei comigo: “maiê dormiu”. Ela fez bico, entreguei-lhe o rosto, ganhei um beijo quente e demorado, e também um abraço. Disse que me amava. Neste dia dormi mais confortável e até hoje tenho medo de precisar comprar Água Inglesa.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Sonho do Altanero

Altanero ajudante de pedreiro
Passava o dia inteiro trabalhando sem parar.
Fazia massa, subia o concreto, rebocava o teto vendo o Sol se mandar.

Toda noite parava no boteco, bebia até o resto, falava sem parar.

Ia pra casa, andando balançando,
deitava em qualquer canto, 
dormia sem jantar.

No outro dia, antes do Sol chegar já estava de pé
passando seu café, pronto pra trabalhar.

Altanero, não incomoda ninguém e tudo que ele tem nem dá para somar:
um casal de sabiá; um lençol; um patoá; uma toalha de banho; um rádio no celular.

Mas, Altanero um dia se estressou pro ar tudo jogou e começou a reclamar.
Já no trabalho, brigava com o patrão, 
queria divisão do pão com todos que estavam lá.

Olhava sereno pros rostos das crianças, 
no cabelo fez-se tranças e soltou o sabiá.

Lá no boteco,
falava de política, do preço da marmita, mandinga e saravá.
E seus parceiros não entendiam: - Qual é? 
Defendendo a mulher que todos queriam zombar?

O Altanero, 
falava em Rebelião, Motim, Revolução
pra essa vida mudar!

Um triste dia,
de frio e muita chuva, corria o boato que os homens estavam lá.

Foi encontrado, triste e torturado, com os olhos esbugalhados, 
sem vontade de falar. 

Altanero,
sonhou com o mundo inteiro, livre do dinheiro, sem fome e sem patrão.
Passou desta, sem glória e sem festa.
Sabendo que só resta é a tal exploração.

Góes ...outubro de 2015





sábado, 12 de setembro de 2015

RESISTÊNCIA PRETA

Toca o som do berimbau
é Angola.
Bate o peso do Rap Politizado.
Seguem os poemas rimados
são Versos Revolucionários.

Saem os contos do Beco
Vem os cantos da Viela
É Literatura de Protesto
Poesias da Favela.

Cantam a vida das Trincheiras
Descem as crônicas do Morro.
Bate o tambor a Tiazinha
Panelaço na cara da sinhazinha.

É de luta a métrica da nossa letra
Vermelha.
Resistência quebrando as correntes
da Mente.

É sarau da Resistência do povo que é Preto
e Preta.

Sarau da Resistência Preta. 


Frida e Kysha

Sorriso tímido, olhar radiante, preto que brilha, cabelo crespo, preto de luta, luta de preta.
Olhar razinho, sorriso radiante, cabelo crespo, queimado como de muitos pretos, pretos de luta, luta de preta. 
Meninas, pequeninas, que rebobinam a vida, a energia. É o sinal de "Atenção grande, ainda existe o caminho. Nada está perdido". Meninas crianças. Presente que a mais de 500 anos a África trilhou...
Meninas mais mais que lindas que o meu coração alegrou... eis de alegrar para sempre ... S3